Essa merda começou por culpa da Dani. Eu a vi pela primeira vez em um barzinho e ela tinha um sorriso maravilhoso. Como era meu aniversário e eu não tinha nada a perder, resolvi tentar algo.
Começamos a conversar e vimos que havia muita coisa em comum. Invariavelmente terminamos na minha cama. Apesar de tudo nela estar sendo perfeito até aquele momento, me causou estranheza a conversa pós-sexo que tivemos. Ela citou que era adepta do satanismo, que já participou de vários rituais e que um dia queria me levar para um deles. Nunca tive nada contra a religião de ninguém - se é que isso pode ser chamado de religião -, mas depois daquilo, fiquei meio assustado. Ela era a primeira pessoa que eu conhecia que falava abertamente sobre tais obscuridades.
Saímos mais algumas vezes e, contrariando as possibilidades, acabei me apaixonando mais e mais, chegando ao ponto de sentir uma ansiedade gigantesca se eu passava mais de um dia sem vê-la. Três meses depois do nosso primeiro encontro, ela me chamou para ir no mesmo bar em que nos conhecemos. Achei que era uma ocasião especial, que ela queria comemorar algo. Na verdade, ela queria despedaçar meu coração. Começou com aquela história padrão de “O problema não é com você, o problema sou eu”, e continuou com outros clichês. Eu fiquei destruído. Estava realmente amando ela e não fui para aquele encontro preparado para isso. Bebi tanto que tive um “apagão”, e só me lembro de acordar para vomitar por volta das três da manhã. Ouvi o telefone tocar diversas vezes naquela noite, mas não tive forças para ir atendê-lo.
No dia seguinte, não consegui sair da cama e o termômetro acusou que eu estava com febre. Liguei para o meu trabalho para avisar que não iria naquele dia. Tomei um remédio para as dores no corpo e acabei cochilando. Sonhei que estava em uma igreja, com um padre rezando uma missa. Ao passar pelo corredor, fui olhando para os bancos e vi que todos os presentes estavam sem cabeça. Quando voltei a olhar para o padre, ele também não tinha mais sua cabeça e acenava para mim.
Acordei suando e resolvi ir até o banheiro para tomar um banho.
Quando abri a porta do meu quarto, quase congelei. Não era a minha casa que estava lá, e sim a mesma igreja que estava em meu sonho. Ela estava praticamente vazia, exceto por uma pessoa no altar, cujo rosto eu não podia ver pois estava totalmente coberto por um capuz. Entrei em desespero, mesmo imaginando que isso poderia fazer parte de um delírio febril. Bati a porta e corri para debaixo das cobertas. Então algo começou a bater em minha porta. Parecia que havia varias pessoas lá fora, pois as batidas eram alternadas e iam se tornando cada vez mais violentas. Nunca fui de rezar, mas naquele momento pratiquei esse ato como um profissional. Surpreendentemente, meu esforço pareceu surtir efeito, pois em alguns segundos o barulho cessou. Mesmo assim, algo ali não parecia certo. Ainda com a cabeça coberta, eu tive aquela sensação estranha, semelhante a um apito bem baixo no ouvido, que sentimos quando tem uma televisão ligada.
Tomando coragem, tirei o cobertor da cabeça e eu estava na igreja. Pra ser mais exato, minha cama estava em cima do altar. Olhei em volta e vi que a igreja estava lotada de figuras com o rosto coberto, como a figura que eu tinha visto anteriormente. Tentei me levantar, me debater, mas alguma força estava agindo sobre mim.
A figura à minha frente começou a falar em uma língua desconhecida, e a cada palavra que ela proferia, mais impotente eu me sentia em relação ao que me impedia de levantar. Ao fim de seu discurso, a figura retirou de seu manto uma faca e começou a fazê-la passear pelo meu corpo, dos pés à cabeça. Comecei a chorar e fiquei de olhos fechados, quando senti aquela lâmina penetrar em meu peito. A dor foi estarrecedora, e quando consegui finalmente gritar, eu estava de volta ao meu quarto. Tudo parecia estar normal, exceto pelo fato de a faca estar em minha mesa de cabeceira. A reconheci, era uma das minhas facas de caça, mas não lembrava de tê-la colocado lá. Fui guardá-la em seu devido lugar, e quando cheguei na sala, não consegui segurar as lágrimas.
Mais tarde, tentei ligar para Dani, sem sucesso. Ao fim do dia, já me sentia bem melhor e não tive mais nenhum pesadelo. No dia seguinte, me sentia bastante disposto e acreditava estar pronto para voltar ao trabalho. Após tomar um banho, voltei ao quarto para me trocar e, para meu desespero, lá estava, na mesa de cabeceira, a faca.
Com meus nervos totalmente alterados, não pensei nem mesmo em tira-la de lá. Me troquei e já estava prestes a sair, pois imaginei que o trabalho ia ajudar a tirar isso tudo da minha cabeça. Não conseguia achar minhas chaves de jeito nenhum, e liguei para o porteiro pedindo para que ele viesse abrir meu apartamento. Quando ele chegou, mexeu por alguns minutos na porta pelo lado de fora, e conversando comigo, disse que algo estava errado, que a chave não estava entrando, e que dava a impressão de que alguém tinha trocado a minha fechadura.
Nesse momento, o porteiro falou algumas palavras quase resmungando e só consegui entender “…te perdoar”. Perguntei para ele o que ele tinha dito e não obtive resposta. Um silêncio fúnebre se formou ali. Segundos depois, alguém começou a chutar a porta gritando “ELA NÃO VAI TE PERDOAR, ELA NÃO VAI TE PERDOAR, ELA NÃO VAI TE PERDOAR”.
Trinta segundos depois, esse teatro de horror cessou e nenhum barulho se ouvia lá fora. Eu não sabia mais o que imaginar, só conseguia pensar que Dani tinha mexidos seus pauzinhos dentro dos seus rituais e tinha feito alguma coisa pra mim.
Voltei a pegar o telefone para chamar o porteiro, mas estava mudo. Numa tentativa louca de sair daquele lugar, comecei a chutar a porta. Depois de muito esforço, consegui destruir a fechadura. Mas havia outra por trás dela. Não sabia mais o que pensar, o desespero já havia tomado conta de mim, e pensei em fugir pela janela ou pelo menos tentar gritar por alguém na rua, já que morando no terceiro andar, era possível conseguir tal feito. O problema é que a porra da janela também não abria. Eu podia estar um pouco esquecido, mas jamais tinha colocado vidros blindados em meu apartamento. De todo modo, era assim que eles se comportavam, pois o golpeei de todas as formas diferentes e nada fazia efeito.
Cai no chão desolado. Não sabia mais o que fazer. Gritar não adiantaria, rezar tampouco, eu só queria saber o que estava acontecendo naquele momento. Foi então que ouvi a porta da sala se abrindo. Corri como um maluco para ver mas não havia nada lá, e a porta permanecia fechada.
Voltei para o quarto e lá estava ela, a vagabunda responsável por toda essa maldição. Dani estava nua na minha cama e de braços abertos. Cego pela fúria causada por tudo que ela tinha me feito, peguei a faca e a golpeei inúmeras vezes, sentindo um prazer quase paranóico com o som que a lâmina emitia ao rasgar todos os tecidos de seu corpo.
No entanto, tal prazer se esvaiu quando Dani começou a rir e disse que aquela não era a primeira vez que eu estava fazendo isso e nem seria a última. Já faz muito tempo que estou nesse quarto e diariamente passo por todo esse ritual, com os pesadelos, o porteiro e o esfaqueamento. Já tentei me matar, mas sempre em vão. Sinto toda a dor que a morte traz e acordo novamente aqui.
Não sei quanto tempo ainda aguentarei.
by:Bosko Kobiashvili